A violência é aquilo que não fala e a sexualidade aquilo de que pouco se fala, mas os nomes de Sade e Masoch servem para designar duas perversões básicas. Eles apresentam a seus leitores quadros inigualáveis de sintomas e de signos, da mesma maneira quando um médico dá o seu nome a uma doença, trata-se de um ato linguístico e semiológico, na medida em que liga um nome próprio a um conjunto de signos.
Em Sade, em geral, as narrativas que os libertinos ouvem provêm de ‘histórias’, cujo poder das palavras culmina no comando da repetição dos corpos. Nada está mais diante do sádico do que a intenção de persuadir ou convencer, ou seja, qualquer intenção pedagógica: mostrar que o próprio raciocínio é uma violência e que está do lado dos violentos, com todo o seu rigor e sua calma. Percebe-se, sob todos os aspectos, que o ‘professor sádico’ se opõe ao ‘educador masoquista’, já que em Masoch, as coisas devem ser ditas, prometidas, anunciadas, cuidadosamente descritas antes de se realizarem. Tudo é uma questão de persuasão e educação. Estamos diante de uma vítima que procura o seu carrasco e que precisa formá-lo, persuadi-lo e a ele se aliar para uma empreitada pedagógica: os masoquistas e a submissão às heroínas, ‘mulher-carrasco’; os tormentos que eles sofrem; a morte porque passam são momentos de ascensão ao Ideal. Do corpo à obra de arte, da obra de arte às Ideias, ou seja, há uma ascensão que se faz a base de chicotadas. O herói masoquista parece educado, mas educado por uma mulher autoritária, em que se promovem as fantasias por costumes nacionais e folclóricos, brincadeiras de crianças, jogos de linguagem femininos, exigências morais, patriotas. O corpo da mulher-carrasco mantém-se coberto de peles, couros, enquanto o da vítima permanece indeterminado, rompido pelos golpes que recebe. De outro modo, o que está em jogo na obra de Sade é a ‘ideia do mal’, do ‘Objeto que não está lá’, onde o libertino se declara excitado por essa ideia de ‘algo que não está’, porque só pode ser objeto de demonstração. Por isso os heróis sádicos se desesperam e se enfurecem, vendo seus crimes reais tornarem-se tão diminutos.
Em “Sacher-Masoch” desfilam oposições, dissociações ou disjunções entre Sade e Masoch, que parecem ser intermináveis: a faculdade especulativo-demonstrativa do sadismo, a faculdade dialético-imaginativa do masoquismo; o negativo e a negação no sadismo, a denegação e o suspensivo no masoquismo; a reiteração sádica quantitativa, o suspense qualitativo masoquista; a negação da mãe e inflação do pai no sadismo, a ‘denegação’ da mãe e a aniquilação do pai no masoquismo; a oposição do papel e do sentido do fetiche nos dois casos, e o mesmo se dando em relação com a fantasia; o antiesteticismo sádico, o esteticismo masoquista; o sentido ‘institucional’ de um, e o sentido ‘contratual’ do outro; o supereu e a identificação no sadismo, o eu e a idealização no masoquismo; as duas formas opostas de dessexualização e de ressexualização.
Não se trata apenas de se fazer um inventário das proposições que deveriam exprimir a diferença radical entre a ‘apatia sádica’ e o ‘frio masoquista’, mas, sobretudo, percebe-se que certo sadismo no masoquismo não se confunde com o ‘herói sádico’, tampouco uma espécie de masoquismo presente no sadismo não se representa pela ‘mulher-carrasco’. Em outras palavras, é tolerável um masoquismo específico do sadismo e um sadismo específico do masoquismo, mas nunca um combinado com o outro. Trata-se de denunciar o híbrido ‘sadomasoquismo’ como um monstro semiológico, mal fabricado. Nesse transformismo ou unidade sadomasoquista sugere-se então um equívoco freudiano? Talvez nem seja necessário questionar isso, já que a distinção e a não identidade do sadismo com o masoquismo não deixam de ser o requinte deleuzeano dessa tese.
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