Este curso, proferido no Collège de France entre 1974 e 1975, trata do monstro moral, personagem da viragem do século XIX-XX. O monstro sempre foi uma noção jurídica e não médica, mas o monstro interroga o sistema médico e o sistema judiciário. O monstro medieval é um misto de duas espécies, misto de dois sexos, misto de duas formas... Se a forma bestial foi o monstro medieval, os siameses foram os monstros renascentistas e os hermafroditas foram os monstros do século XVII, todos, de um modo ou de outro, agiam contra a ordem e a regra da natureza, articulados a uma ‘teoria jurídica-biológica do monstro’. Embora tenha sido depois do caso do hermafrodita Roeun que o discurso médico necessitou de um discurso científico sobre a sexualidade, afinal a condenação era pelo comportamento e não pelo fato de um indivíduo ser hermafrodita. Surge a relevância da clínica da sexualidade, o detalhe clínico e a descrição detalhada. Mas destaca-se uma monstruosidade das condutas e não monstruosidade da natureza. Percebe-se uma autonomia da monstruosidade moral e de comportamento, demarca-se a passagem do domínio somático e natural para o domínio da criminalidade. Assim, erige-se no século XVIII o estatuto criminal da monstruosidade, para que apareça o monstro moral, o criminoso monstruoso entre os séculos XVIII e XIX, talvez eclodindo com maior ênfase, com a figura de Marquês de Sade.
De todo modo, o criminoso é o déspota, duplo movimento em que o soberano se encontra acima das leis e o criminoso abaixo delas. O criminoso é aquele que rompe o pacto e faz prevalecer a razão do seu interesse: Estado de Violência. O primeiro monstro é o rei que infringe o pacto social. Não há pudor em dizer que Luis XVI e Maria Antonieta formam junto um casal monstruoso ávidos por sangue. Entrecruzamento do monstro real. O canibalismo soberano ávido pelo sangue do povo e o incesto, a devassidão, o homossexualismo. Por isso que a antropofagia e o incesto tornam-se proibidas e o monstro moral aparece como uma prática jurídica no século XVII. Duas transgressões a duas interdições, uma alimentar (antropofagia) e outra sexual (incesto). Crime de reis e crimes dos famintos: o soberano despótico e o povo revoltado são dois campos da anomalia que culmina no século XIX.
A passagem do monstro ao anormal foi ilustrada com os três monstros fundadores da psiquiatria. Em primeiro lugar, a mulher de Sélestat, que matou a filha, cortou-a em pedaços, cozinhou sua coxa com repolho e comeu-a. Em segundo lugar, o caso de Papavoine, que assassinou no bosque de Vincennes duas crianças, que tomou por descendentes dos filhos da duquesa de Berry. E enfim, Henriette Cornier, que cortou o pescoço de uma filhinha dos vizinhos. Atos monstruosos produzidos por uma dinâmica móbil dos instintos. Domínio de objetos novos integrados ao discurso psiquiátrico – instintos, impulsos, pulsões, tendências, propensões e automatismos. Há o aparecimento da psiquiatria como domínio da higiene pública e proteção social no século XIX em sua dupla codificação como doença e como perigo, nosografia que se classifica em monomania homicida e suicida. Percurso que terá, no início do século XIX, a monomania, mas na segunda metade do mesmo século terá a degeneração. São crimes sem razão que a psiquiatria acha-se no poder de reconhecer. Entretanto, passa-se do ato sem razão ao ato instintivo. A partir da noção de instinto vai se organizar o problema do anormal no nível das condutas elementares e cotidianas. Vê-se passar do “grande monstro” ao “pequeno perverso” realizada pela noção de instinto. Henriette Cornier, monstro pálido, que no fundo delineou o elemento do instinto que permite uma engrenagem dupla, o mecanismo penal e o mecanismo judiciário.
No caso de Cornier, atribui-se a um instinto homicida que não tem nenhum interesse, nenhuma razão e atravessa a conduta. Mas em outro caso, de Charles Jouy, no século XIX, que molestou uma menina, masturbou-a, ou foi um quase-estupro, buscavam-se estigmas permanentes que marcam estruturalmente o indivíduo a ponto de submetê-lo a uma série de medicações. Se com Henriette a medicina mental monomaníaca traz à luz processos patológicos sob um crime que pretendia erigir um sintoma, uma ‘loucura instintiva’ que suporta o ato delituoso; com Jouy, integra-se o delito em estigmas permanentes e estáveis, ou o núcleo do ‘estado’ que é a falta de desenvolvimento, detectando-se um desequilíbrio funcional como princípio da conduta.
Nova engrenagem funcional em que se analisam os comportamentos patológicos. Os imbecis e os degenerados são decifrados pela infância do comportamento e da inteligência. O caráter infantil da moral da sexualidade. Se a imbecilidade estava ligada a aberração de comportamento, isto ocorria porque os instintos que interrompem o desenvolvimento demonstram a sua infância. Com Charles Jouy, houve uma aproximação e fusão entre a criança que ele se relacionou com a sua própria infância. Identidade na infância do criminoso e da vítima. Infância como fase cronológica do desenvolvimento e forma geral do comportamento. A infância tornou-se, nos discursos psiquiátricos do fim do século XIX, analisadora dos comportamentos.
Discurso que se esfuma e se dissipa, pois o discurso psiquiátrico-penal foi definido de antemão, em sua nascente, como um discurso ubuesco e do medo, discurso da moralização, discurso infantil.
De todo modo, o criminoso é o déspota, duplo movimento em que o soberano se encontra acima das leis e o criminoso abaixo delas. O criminoso é aquele que rompe o pacto e faz prevalecer a razão do seu interesse: Estado de Violência. O primeiro monstro é o rei que infringe o pacto social. Não há pudor em dizer que Luis XVI e Maria Antonieta formam junto um casal monstruoso ávidos por sangue. Entrecruzamento do monstro real. O canibalismo soberano ávido pelo sangue do povo e o incesto, a devassidão, o homossexualismo. Por isso que a antropofagia e o incesto tornam-se proibidas e o monstro moral aparece como uma prática jurídica no século XVII. Duas transgressões a duas interdições, uma alimentar (antropofagia) e outra sexual (incesto). Crime de reis e crimes dos famintos: o soberano despótico e o povo revoltado são dois campos da anomalia que culmina no século XIX.
A passagem do monstro ao anormal foi ilustrada com os três monstros fundadores da psiquiatria. Em primeiro lugar, a mulher de Sélestat, que matou a filha, cortou-a em pedaços, cozinhou sua coxa com repolho e comeu-a. Em segundo lugar, o caso de Papavoine, que assassinou no bosque de Vincennes duas crianças, que tomou por descendentes dos filhos da duquesa de Berry. E enfim, Henriette Cornier, que cortou o pescoço de uma filhinha dos vizinhos. Atos monstruosos produzidos por uma dinâmica móbil dos instintos. Domínio de objetos novos integrados ao discurso psiquiátrico – instintos, impulsos, pulsões, tendências, propensões e automatismos. Há o aparecimento da psiquiatria como domínio da higiene pública e proteção social no século XIX em sua dupla codificação como doença e como perigo, nosografia que se classifica em monomania homicida e suicida. Percurso que terá, no início do século XIX, a monomania, mas na segunda metade do mesmo século terá a degeneração. São crimes sem razão que a psiquiatria acha-se no poder de reconhecer. Entretanto, passa-se do ato sem razão ao ato instintivo. A partir da noção de instinto vai se organizar o problema do anormal no nível das condutas elementares e cotidianas. Vê-se passar do “grande monstro” ao “pequeno perverso” realizada pela noção de instinto. Henriette Cornier, monstro pálido, que no fundo delineou o elemento do instinto que permite uma engrenagem dupla, o mecanismo penal e o mecanismo judiciário.
No caso de Cornier, atribui-se a um instinto homicida que não tem nenhum interesse, nenhuma razão e atravessa a conduta. Mas em outro caso, de Charles Jouy, no século XIX, que molestou uma menina, masturbou-a, ou foi um quase-estupro, buscavam-se estigmas permanentes que marcam estruturalmente o indivíduo a ponto de submetê-lo a uma série de medicações. Se com Henriette a medicina mental monomaníaca traz à luz processos patológicos sob um crime que pretendia erigir um sintoma, uma ‘loucura instintiva’ que suporta o ato delituoso; com Jouy, integra-se o delito em estigmas permanentes e estáveis, ou o núcleo do ‘estado’ que é a falta de desenvolvimento, detectando-se um desequilíbrio funcional como princípio da conduta.
Nova engrenagem funcional em que se analisam os comportamentos patológicos. Os imbecis e os degenerados são decifrados pela infância do comportamento e da inteligência. O caráter infantil da moral da sexualidade. Se a imbecilidade estava ligada a aberração de comportamento, isto ocorria porque os instintos que interrompem o desenvolvimento demonstram a sua infância. Com Charles Jouy, houve uma aproximação e fusão entre a criança que ele se relacionou com a sua própria infância. Identidade na infância do criminoso e da vítima. Infância como fase cronológica do desenvolvimento e forma geral do comportamento. A infância tornou-se, nos discursos psiquiátricos do fim do século XIX, analisadora dos comportamentos.
Discurso que se esfuma e se dissipa, pois o discurso psiquiátrico-penal foi definido de antemão, em sua nascente, como um discurso ubuesco e do medo, discurso da moralização, discurso infantil.
2 comentários:
muito interessante, apenas senti falta da presença da igreja, da confissão, feitiçaria, convulsão e aparição.
muito interessante, apenas senti falta da presença da igreja nesse processo e que é citada no livro (nas aulas).
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