terça-feira, 29 de setembro de 2009

5 Lições sobre Império (Antonio Negri)


Após os ataques de 11 de setembro, pouca coisa mudou sobre o poder soberano, desde que o entendamos sob a égide de uma soberania limitada e nunca absoluta. Acontece que após os atentados contra Washington e Nova York, o governo estadunidense integrou-se finalmente ao sistema global de relações que definem a atual forma de soberania, deixando de lado seu modo bizantino de soberania. Como compreender o Império após 11 de setembro? De que modo não confundir o Império com os Estados Unidos? Historicamente, o Império não deixa de ser tomado sob uma reflexão liberal numa relação complexa de aspectos internos e externos ao Estado. Em outros termos, trata-se de uma reflexão histórica concernente ao nascimento do liberalismo, cujo termo biopolítica implicaria uma análise da racionalidade política e funcional do governo, em cujo exercício corre-se o risco de se governar em demasia, ou seja, governamentalidade redutível a uma análise jurídica, como mecanismo de produção e interpretação de normas. Para tanto, torna-se necessário, de início, definir três teses sobre o Império: a] não há globalização sem regulamentação, mesmo que sejam regulamentações privadas, que tendem de alguma forma substituir as regulamentações estatais; b] a soberania do Estado-nação está em crise, ela se transfere do Estado-nação e vai para algum lugar, ou seja, a soberania imperial se encontra em um ‘não-lugar’, afinal trata-se da incapacidade do Estado-nação de manter o controle sobre a totalidade do território e sobre as forças antagônicas que se movimentam dentro desse território; c] a luta e a escansão social, que constituem qualquer realidade política, assumem esses fenômenos (globalização sem regulamentação e soberania antinacionalista) na relação de capital. Com base nessas teses, a seguir enumeram-se as cinco lições sobre o Império:

Lição 1 – se o Estado-nação pôde ser concebido incapaz de controlar os mecanismos de reprodução da sociedade, do ponto de vista do capital, isso ocorreu porque as lutas (operárias, antiimperialistas, anticoloniais) impediram-no de ser um ponto de equilíbrio e garantia da soberania do desenvolvimento capitalista. A historiografia colonial escondia os elementos que não interessavam ao colonialismo europeu e excluía a reação na construção imperial, sob o fato de que o Estado colonial foi construído em resposta às lutas. A soberania é o controle da reprodução do capital e o comando sobre as forças que o constitui, percebe-se que na modernidade, a soberania reside no Estado-nação, mas no pós-moderno, ela reside noutro lugar. Uma primeira ruptura interveio no nível do Estado-nação dos países capitalistas desenvolvidos, que obrigou a soberania a situar-se em outro lugar: ruptura que ocorreu após 1968, ou melhor, que se define nos anos de 1971, com o fim da paridade dólar/ouro, e de 1973, com a crise do petróleo e a paz nuclear, com o tratado ABM, de 1972. Período em que se percebeu a impossibilidade de garantia do desenvolvimento capitalista por meio de instrumentos da regulação soberana interna – controle da relação de capital dentro do espaço-nação. Se os grandes Estados-nação europeus se desenvolveram pela expansão imperialista, nos de 1960-70, houve um desequilíbrio colonial-imperialista que se estabeleceu numa extraordinária amplitude, isso determinou a impossibilidade de o Estado-nação estender suas relações de força com fins expansionistas. Além disso, com desequilíbrios internos, os Estados-nação centrais empurravam os problemas de controle e da reprodução capitalista para outros lugares: denomina-se ‘Império’, pois exatamente este ‘não-lugar’ sobre o qual passou a se concentrar a soberania, que garantiu o desenvolvimento capitalista no cenário global. Deste modo, divide-se o período da ‘grande indústria’ em duas fases: a que vai de 1870 até a Primeira Guerra Mundial, da Comuna de Paris à Revolução Russa; e a que vai do fim da Primeira Guerra Mundial a 1968. Distinguem-se esses dois períodos do ponto de vista dos processos laborais, das normas de consumo e de reprodução social, a partir de modelos de regulação econômica e política, sob a perspectiva da transformação da composição política de classe.

Lição 2 – precisa-se desenvolver uma ontologia do trabalho imaterial, do ser imaterial, mas por ‘trabalho imaterial’ compreende-se o conjunto das atividades intelectuais, comunicativas e afetivas expressas por sujeitos e movimentos sociais, que conduzem à produção. Já que a força produtiva nasce dos sujeitos e se organiza na cooperação, destaca-se o ‘General Intellect’ como força de trabalho intelectualizada ou desmaterializada que se expande como epidemia, por uma cooperação produtiva que não é imposta pelo capital, mas pelo trabalho mental tão cooperativo como o trabalho linguístico. Definir o corpo do ‘General Intellect’ é afirmar a potência dos sujeitos que o habitam, assim, o sujeito da organização de uma nova vida.

Lição 3 – o conceito de multidão nasce na obra de Espinosa, na metade do século XVII, com esse termo, entende-se uma multiplicidade de singularidades que se situam em alguma ordem, de todo modo, assume-se um sentido próprio porque falta uma ideia de causalidade externa. Define-se, então, a multidão como nome de uma imanência (conjunto de singularidades), como conceito de classe (sempre produtiva e em movimento) e de uma potência que quer expandir-se e conquistar um corpo (a carne da multidão quer transformar-se no corpo do General Intellect). A carne é o primeiro material da multidão, na qual o corpo e o intelecto são indiferenciados. Assim, quando a multidão se apresenta como conjunto de singularidades produtivas e proliferantes, um lugar de choque se mostra como problema, qual seja ele: enquanto a multidão é limite do Estado, o Estado é apenas um obstáculo para a multidão. Mas quando não mais existe um lugar de choque, pois o choque está em todo lugar – o Império não possui lugar, assim a multidão também não tem lugar. Considera-se, pois que a multidão produz e reproduz o mundo, ela é potência e sua consistência é constituinte. Por isso há um parentesco inseparável entre multidão e poder constituinte. O poder constituinte é a dinâmica organizacional da multidão, o seu fazer-se.

Lição 4 – a forma do biopoder imperial é uma guerra que contém controle e disciplina, desde que compreendamos a guerra como o modo essencial no qual se formam as políticas. A guerra não é poder destrutivo unicamente, mas um poder de ordenamento, constituinte, e inscrito no espaço como atividade seletiva, hierarquizante: a guerra desenha espaços e confins. A ordem nasce propondo disciplina e controle mediante uma promoção contínua de guerra, como forma de biopoder, o tema da definição do inimigo será central numa guerra. Inimigo como perigo público, ou seja, sintoma de uma desordem a ser ordenada, uma ameaça que a própria multidão erige, por isso ela deve ser disciplinada e controlada. A guerra só poderá ser bloqueada por meio da força constitutiva da multidão, em um mundo que não tem mais o fora, a guerra passa a ser interna e sempre menos guerra e cada vez mais polícia. Na condição de multidão, que pode ser definida como limite do poder, ora cada sujeito pode ser um perigo público, ora cada sujeito pode ser inimigo do Império. A resistência dos corpos potencializa-se como biopolítica: apostam-se na possibilidade de resistência e em tecnologias de resistência que se tornem absolutas. Trata-se, enfim, do antipoder, que se relaciona com três coisas: a resistência contra o velho poder, de insurreição e de potência constituinte de um novo poder, ou seja, resistência, insurreição e poder constituinte como trindade do antipoder.

Lição 5 – a relação entre movimentos sociais e modificações institucionais se dá com a transformação da própria natureza dos movimentos, portanto, torna-se fundamental a passagem da hegemonia do trabalho material ao trabalho imaterial. As lutas se desenvolvem sempre ao redor da intenção de libertar o trabalho. Partir de baixo para definir o tema central que consolida a cooperação, portanto somente a afirmação do ‘comum’ nos permite orientar de dentro os fluxos da produção e separar os capitalistas, alienantes, dos que recompõem a liberdade e o saber. Trata-se de conseguir conceber a multidão como o ‘comum’ e a diferença como singularidade: na singularidade enriquecemos os conteúdos das diferenças e no ‘comum’ conseguimos juntá-las, como num novo horizonte de atividade, ou seja, o ‘comum’ como uma perspectiva sob a qual sempre nos movemos. Fazer crescer, enfim, o desejo subversivo do ‘comum’ que perpassa a multidão, colocando-o contra a guerra, transformando-o em potência constituinte.

Método que age no biopolítico, onde a produção se manifesta como expressão produtiva do ‘comum’. Neste sentido, a exploração se evidencia como destruição do ‘comum’ e expropriação da cooperação, o que nos leva a compreender o que significa dizer exploração biopolítica e divisão do trabalho no biopoder: o pós-fordismo e o pós-modernismo produziram a exploração do comum - esta é a nova forma da lei da mais-valia. Paralelamente, esforça-se de múltiplas maneiras, portanto, para distinguir biopolítica [a vida inteiramente investida de atos e condições artificiais de reprodução, quando a própria natureza socializou-se e tornou-se máquina produtiva] e biopoder [quando o Estado expressa comando sobre a vida por meio de suas tecnologias e dispositivos de poder].

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