Pode-se dizer que “Heliogabalo” é obra de um poeta, mas obra de erudição, em que Antonin Artaud obrigou-se a longas pesquisas, ou seja, ele leu numerosos textos tanto antigos quanto modernos, de autores citados ao longo do texto, dentre eles: Artemidoro de Efeso, Heliodoro, Censorinus, Sextus Empiricus, Eusébio, Zózimo, Constantino Porfirogeneta, Xifilino, João Zonaras. Heliogabalo nasceu em Antioquia no ano 204, durante o reinado de Caracalla. E Caracalla, Moesa, Domna, Soémia, mãe de Heliogabalo, então viúva de Varius Antoninus Macrinus, e Maommoea, mãe de Alexandre Severo e viúva de Gessius Marcianus, curador do trigo e das águas, tudo isto dorme junto, se agita. Heliogabalo nasceu em uma época em que todos dormiam com todos e nunca se saberá por quem sua mãe foi realmente fecundada. Historicamente, a ascendência feminina remonta Heliogabalo à memória da figura do velho Basianus. Em todo o caso, o velho Bassiano teve, apoiado a uma cama com seu par de muletas, de uma mulher casual, duas filhas: Júlia Domna e Júlia Moesa, que teve por marido Sextus Varius Marcellus, mas sem dúvida fecundada por Caracalla ou por Geta (filho de Júlia Domna, sua irmã), ou por Gessius Marcianus, seu cunhado, esposo de Júlia Domna; ou talvez por Séptimo Severo: Heliogabalo – nome que parece ser a feliz contração gramatical das mais altas denominações do sol.
EL-GABAL, ELAGABALUS, HELIOGABALUS: trinta povos marcharam e sonharam em volta da riqueza destes nomes, que são figuras que correspondem às quatro grandes raças humanas (negras, amarelas, vermelhas, brancas), com ecos orgânicos às divisões do Zodíaco de Rama inspirado por Deus. Os nomes GABAL e EL-GABAL há GIBIL (em velho dialeto acádico): o fogo que destrói e deforma, mas prepara o renascimento da Phenix vermelha, saída do fogo, emblema feminino, pelo mênstruo vermelho-fogo. EL, que significa deus e se escreve com ou sem H, que, fundido com GABAL dá HELAH-GABAL, terra de Elam, cerca da Batriana – terra de Deus. Mas em GABAL há ainda BAAL ou BEL ou BEL-GI, Deus Caldeu, deus do fogo, que pronunciado, escrito ou soletrado em sentido inverso dá GIBIL (Kibil?), o fogo em velho dialeto aramaico. Ainda, GABAL significa montanha, em dialeto caldeu-aramaico e, sobretudo BEL, deus supremo, redutor, pelo qual tudo é reconduzido ao princípio, deus unitário, eliminador. O nome Heliogabalo liga o poder de todos esses nomes, nos quais só um, o sol, não intervém. Foram os gregos que introduziram Helios no nome de Heliogabalo e o confundiram com EL, deus supremo, deus dos cumes. Pois se o sol intervém em seu nome, é com referência a um lugar elevado, identificável ao cone, até todas as pontas da estrela de Salomão.
No que se refere à identificação de Heliogabalo com o seu deus, diz-se que ele ora substitui a divindade, ora se esconde atrás dela. Se um homem não é deus, e se Cristo é um deus feito homem, é como homem que morreu, e não como deus. Durante toda a sua vida Heliogabalo foi atraído por esses contrários, por esse duplo esquartejamento: de um lado, Deus, de outro, o homem. No homem – o rei humano e o rei solar; no rei humano – o homem coroado e descoroado. Se Heliogabalo é o homem e é a mulher, porque a religião do sol é a religião do homem, que nada pode sem a mulher, seu duplo em que se reflete: um e dois reunidos no primeiro andrógino, que é ele, o homem e ele, a mulher: reunidos n’ um. Ter o sentido da unidade profunda das coisas é ter o sentido da anarquia. Heliogabalo tem desde cedo o sentido da unidade que está na base de todos os mitos e de todos os nomes.
Heliogabalo absorve seu deus, comeu o deus dele como o cristão come o seu. No sol, há guerra, Marte; o sol é um deus guerreiro; e o rito do Galo é um rito de guerra: o homem e a mulher fundidos no sangue, a preço de sangue. Heliogabalo é um anarquista-nato que suporta mal a coroa. Todos os seus atos de rei são atos de anarquista-nato, inimigo público. A sua anarquia, pratica-se em primeiro lugar contra si-mesmo, e da anarquia que lança governo sobre Roma, pode se assim dizer que a prega pelo exemplo e paga por ela o devido preço. E Heliogabalo é um anarquista que começa por devorar-se a si mesmo e acaba por devorar os seus excrementos. O anarquista: nem Deus nem senhor – Eu. No seu trono, Heliogabalo é a lei. O senhor de sua lei pessoal que será a lei de todos. Impõe sua tirania, no fundo, todo tirano é um anarquista coroado que acerta o mundo pelo seu compasso. Julgando-se deus, nunca cai no erro de inventar uma lei humana. Quando chega à Roma, na manhã de um dia de março do ano 218, expulsa os homens do Senado e substitui-os por mulheres, para restabelecer o regresso natural à razão, pois é à mulher que, para ele, nasceu primeiro, assim cabe-lhe a regência da lei.
Heliogabalo casou-se três vezes, primeiro com Cornelia Paula, a segunda com a primeira vental, a terceira com uma mulher que tinha a cabeça de Cornelia Paula; depois se divorcia e retoma a vestal; depois retoma Cornelia Paula. Heliogabalo detestava guerra, cujo reinado não foi sujo por nenhuma. Mas Heliogabalo andava de mulher em mulher como andava de cocheiro em cocheiro, andava também de pedra em pedra, de vestido em vestido, de festa em festa. Convidava para a sua mesa todos os estropiados, enfermos e possuía um gosto pela doença, que chegava à maior dimensão da doença, ao contágio perpétuo com a amplitude de uma epidemia. Não somente o mundo romano, mas toda a paisagem e o mundo de Roma foram por ele modificados. A sua morte seria a coroação da sua vida. Justa para ele e para os romanos. Morte de um rebelde que morre por suas próprias ideias. Ante a irritação geral provocadas por seus excessos, Heliogabalo poderia fugir a tempo. Eis então que a guarda em armas se volta contra Heliogabalo.
A guarda o procura por todo o palácio. Júlia Soémia grita-lhe que fuja. Acompanha-o na fuga. Os perseguidores gritam por todos os lados, as suas pesadas correrias estremecem as paredes, um pânico apodera-se de Heliogabalo e de sua mãe. Aonde quer que estejam só viram a morte. Fogem pelos jardins que dão para o Tibre, pelas sombras dos pinheirais. Mas o Tibre está demasiado longe, enquanto os soldados, a um passo. Doido de medo, Heliogabalo salta para as latrinas, mergulha no excremento. É o fim!
EL-GABAL, ELAGABALUS, HELIOGABALUS: trinta povos marcharam e sonharam em volta da riqueza destes nomes, que são figuras que correspondem às quatro grandes raças humanas (negras, amarelas, vermelhas, brancas), com ecos orgânicos às divisões do Zodíaco de Rama inspirado por Deus. Os nomes GABAL e EL-GABAL há GIBIL (em velho dialeto acádico): o fogo que destrói e deforma, mas prepara o renascimento da Phenix vermelha, saída do fogo, emblema feminino, pelo mênstruo vermelho-fogo. EL, que significa deus e se escreve com ou sem H, que, fundido com GABAL dá HELAH-GABAL, terra de Elam, cerca da Batriana – terra de Deus. Mas em GABAL há ainda BAAL ou BEL ou BEL-GI, Deus Caldeu, deus do fogo, que pronunciado, escrito ou soletrado em sentido inverso dá GIBIL (Kibil?), o fogo em velho dialeto aramaico. Ainda, GABAL significa montanha, em dialeto caldeu-aramaico e, sobretudo BEL, deus supremo, redutor, pelo qual tudo é reconduzido ao princípio, deus unitário, eliminador. O nome Heliogabalo liga o poder de todos esses nomes, nos quais só um, o sol, não intervém. Foram os gregos que introduziram Helios no nome de Heliogabalo e o confundiram com EL, deus supremo, deus dos cumes. Pois se o sol intervém em seu nome, é com referência a um lugar elevado, identificável ao cone, até todas as pontas da estrela de Salomão.
No que se refere à identificação de Heliogabalo com o seu deus, diz-se que ele ora substitui a divindade, ora se esconde atrás dela. Se um homem não é deus, e se Cristo é um deus feito homem, é como homem que morreu, e não como deus. Durante toda a sua vida Heliogabalo foi atraído por esses contrários, por esse duplo esquartejamento: de um lado, Deus, de outro, o homem. No homem – o rei humano e o rei solar; no rei humano – o homem coroado e descoroado. Se Heliogabalo é o homem e é a mulher, porque a religião do sol é a religião do homem, que nada pode sem a mulher, seu duplo em que se reflete: um e dois reunidos no primeiro andrógino, que é ele, o homem e ele, a mulher: reunidos n’ um. Ter o sentido da unidade profunda das coisas é ter o sentido da anarquia. Heliogabalo tem desde cedo o sentido da unidade que está na base de todos os mitos e de todos os nomes.
Heliogabalo absorve seu deus, comeu o deus dele como o cristão come o seu. No sol, há guerra, Marte; o sol é um deus guerreiro; e o rito do Galo é um rito de guerra: o homem e a mulher fundidos no sangue, a preço de sangue. Heliogabalo é um anarquista-nato que suporta mal a coroa. Todos os seus atos de rei são atos de anarquista-nato, inimigo público. A sua anarquia, pratica-se em primeiro lugar contra si-mesmo, e da anarquia que lança governo sobre Roma, pode se assim dizer que a prega pelo exemplo e paga por ela o devido preço. E Heliogabalo é um anarquista que começa por devorar-se a si mesmo e acaba por devorar os seus excrementos. O anarquista: nem Deus nem senhor – Eu. No seu trono, Heliogabalo é a lei. O senhor de sua lei pessoal que será a lei de todos. Impõe sua tirania, no fundo, todo tirano é um anarquista coroado que acerta o mundo pelo seu compasso. Julgando-se deus, nunca cai no erro de inventar uma lei humana. Quando chega à Roma, na manhã de um dia de março do ano 218, expulsa os homens do Senado e substitui-os por mulheres, para restabelecer o regresso natural à razão, pois é à mulher que, para ele, nasceu primeiro, assim cabe-lhe a regência da lei.
Heliogabalo casou-se três vezes, primeiro com Cornelia Paula, a segunda com a primeira vental, a terceira com uma mulher que tinha a cabeça de Cornelia Paula; depois se divorcia e retoma a vestal; depois retoma Cornelia Paula. Heliogabalo detestava guerra, cujo reinado não foi sujo por nenhuma. Mas Heliogabalo andava de mulher em mulher como andava de cocheiro em cocheiro, andava também de pedra em pedra, de vestido em vestido, de festa em festa. Convidava para a sua mesa todos os estropiados, enfermos e possuía um gosto pela doença, que chegava à maior dimensão da doença, ao contágio perpétuo com a amplitude de uma epidemia. Não somente o mundo romano, mas toda a paisagem e o mundo de Roma foram por ele modificados. A sua morte seria a coroação da sua vida. Justa para ele e para os romanos. Morte de um rebelde que morre por suas próprias ideias. Ante a irritação geral provocadas por seus excessos, Heliogabalo poderia fugir a tempo. Eis então que a guarda em armas se volta contra Heliogabalo.
A guarda o procura por todo o palácio. Júlia Soémia grita-lhe que fuja. Acompanha-o na fuga. Os perseguidores gritam por todos os lados, as suas pesadas correrias estremecem as paredes, um pânico apodera-se de Heliogabalo e de sua mãe. Aonde quer que estejam só viram a morte. Fogem pelos jardins que dão para o Tibre, pelas sombras dos pinheirais. Mas o Tibre está demasiado longe, enquanto os soldados, a um passo. Doido de medo, Heliogabalo salta para as latrinas, mergulha no excremento. É o fim!
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