domingo, 27 de setembro de 2009

Sexo & Poder em Roma (Paul Veyne)


Até à Revolução Francesa, Roma permaneceu como um ideal, mas nunca um ideal de organização política, afinal os períodos de anarquia foram tão marcantes quanto os de estabilidade. Trata-se, então, de um ideal de poder, de imperialismo e civilização. Constata-se que a civilização romana, não foi senão uma civilização grega que falava língua latina, depois romano-cristão, acabou por ser uma civilização ‘mundial’. Durante esse período de hegemonia política, a civilização romana, apenas existe. Evoca-se, entretanto, uma civilização, que é helenística, mas que lhe foi acrescentada complementos romanos: a medicina, a filosofia, as matemáticas, a retórica, de origem grega, mas os monumentos, os jogos circenses e o direito, romanos. Enfoca-se, pois uma civilização Greco-romana, tanto que se nota que no oriente do império falava-se grego e no ocidente, latim. De todo modo, todos os povos do império reuniam-se em torno do cristianismo, padres, fiéis, igrejas, era isso o império romano. Os cristãos é quem estavam no poder, assim Roma assumia com toda naturalidade a função de capital política e capital religiosa. Deu-se um conjunto de mudanças quando o mundo Greco-romano de pagão tornou-se cristão: regime de partido único, centralismo democrático, ou seja, de modo tal que a Igreja substituiu a ‘livre imprensa’ do paganismo, quando cada um fundava o templo que quisesse e pregava o deus de sua invenção. Em contrapelo a esta cristianização; desenrolam-se algumas práticas de ligadas ao sexo e ao poder, que tanto profanaram a civilização romana destacam-se: a homofilia; as práticas de aborto e de infanticídio; a promiscuidade; os duelos.

As lutas dos gladiadores surgiram em Roma, nos últimos séculos antes de nossa era. Como desvio de um costume funerário comum a muitos povos, quando alguém importante morria, acontecia de haver gente arrancando os cabelos, ferindo-se ou homens que se batiam junto do túmulo, para mostrarem seu desespero. As lutas dos gladiadores em Roma são a transformação em puro espetáculo desses duelos organizados por ocasião dos enterros. A mudança parece ter começado pelos próprios duelistas que, como carpideiras iam de funeral em funeral, a política fez o resto. Naquela época, toda a população local assistia ao enterro de um nobre, cujo herdeiro oferecia um banquete e um combate de gladiadores: o que passou a ser uma manobra eleitoral, em que um candidato em uma eleição usava como pretexto a morte de um de seus amigos para organizar jogos de gladiadores, assim agradava o público e angariava votos. O duelo mortal, entretanto, tornou-se coisa muito séria, as raras testemunhas estão presentes para garantir a lealdade do combate, mesmo o combate sendo um espetáculo, os que assistiam aos duelos tinham o prazer de ver os homens se matarem. Os gladiadores lutavam com equipamentos como escudos, couraças, protetores das pernas, capacetes. O momento final não era um hábil golpe de espada, mas a decisão soberana do público: a lógica do duela era acuar um infeliz até que ele mesmo se declarasse quebrado, pondo-se a sua existência nas mãos de um público, sentindo-se onipresente nesse instante em que um homem esperava sua sentença. O ponto mais apaixonante era ver o rosto desse homem que esperava e, depois, ver esse rosto quando o homem era enforcado.

Como muitas sociedades da época, Roma não deixava de ser uma sociedade machista. Não só por causa das práticas dos duelos de gladiadores, mas pelo modo em que definiram as práticas sexuais de sua época. Destaca-se, pois como os pagãos viam a homossexualidade: com indulgência? Como um problema a parte? Os antigos, caso reprovaram a homofilia, não a censuravam no que diz respeito à homossexualidade ativa. Entre os romanos, sodomizar seu escravo era tido como um ato inocente, nem mesmos os mais severos não se preocupavam com questão tão subalterna. O importante continuava sendo respeitar as mulheres casadas, as virgens e os adolescentes nascidos livres. Reprimir legalmente a homossexualidade visava, na realidade, impedir que um cidadão fosse tratado como um escravo. O sexo não chegou a ser um ‘caso legal’, o que valia era não ser escravo nem ser passivo. Por isso o que era monstruoso por parte de um cidadão era ter prazeres passivos. Um pederasta, entretanto, não era um monstro, simplesmente era considerado um libertino, que se movia pelo instinto universal do prazer, enfim, não havia o horror sagrado ao pederasta. Se Roma foi uma sociedade escravagista foi por isso que a homofilia espalhou-se tanto? A homofilia está presente por toda parte nos textos romanos: Virgílio tinha gosto exclusivo pelos rapazes; o imperador Cláudio, o das mulheres; Horácio repetia que gostava dos dois sexos. A classificação não se fazia pelas condutas de acordo com o sexo, mas fazia-se pelo fato de ser ativo ou ser passivo, afinal, a mulher é passiva por definição, a menos que seja um monstro, desse modo a homofilia feminina era categoricamente rejeitada, para os romanos antigos, uma mulher que assumia o papel de homem era a inversão do mundo. Havia, entretanto, uma conduta sexual absolutamente rejeitada e vergonhosa: a felação, desde que seja compreendida como um ato que assume passivamente o prazer ao dá-lo a outrem, sem recusar a outrem a posse de uma parte do seu corpo.

No momento em que acaba a Antiguidade pagã e uma moral pré-cristã começa a receber a sanção do aparelho de Estado, ou seja, até o final do século II da nossa era, o aborto, por exemplo, não era nem crime nem delito, o direito penal o ignorava. Mas um enorme obstáculo se impunha: os perigos mortais a que o aborto expunha a mulher, àquela que recorria a poções mágicas ineficazes. Certamente, o aborto era menos difundido do que entre nós, já que desempenha hoje o papel de última instância da contracepção, porque entre os romanos, o que cumpria essa última instância de contracepção era o ‘infanticídio’ (para os filhos de escravos) e o abandono de bebês (para os filhos de homens livres). O infanticídio dos pequenos escravos era coisa rotineira, quando uma escrava ficava grávida de seu dono, perguntava-se se deixaria o filho viver ou se o mataria. Quanto ao abandono dos filhos, praticava-se tanto pelos ricos quanto pelos pobres. Os pobres expunham [abandonavam] os filhos que não podiam alimentar, os ricos expunham seu filho quando já se tinham aprontado as disposições testamentárias ou quando se tinham dúvidas sobre a fidelidade das esposas. Ao contrário das mulheres gregas, que não podiam sair sozinhas, as romanas não ficavam confinadas em casa. A prostituta era uma figura familiar nas ruas romanas. Roma deve sua fundação a uma loba – imagem insólita do animal selvagem dando de mamar a Rômulo e Remo que se tornou um símbolo nacional. Assim, para os romanos, a prostituta é uma ‘loba’ espreitando sua presa de seu antro, lupanar. Acreditava-se que esse rebanho vivia em promiscuidade sexual, com exceção de um grupo de escravos de confiança, que tinham uniões duradouras com uma concubina exclusiva, recebida, em geral, das mãos do próprio dono. De fato, não se sabe muita coisa quanto aos costumes dessa gente dos primeiros séculos de nossa era, romanos que, de todo modo, uma coisa é possível se garantir: o casamento lhe era proibido e assim permaneceu até o século III.

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