terça-feira, 25 de novembro de 2008

A Hermenêutica do Sujeito (Michel Foucault)


Michel Foucault neste texto não considera as sociedades disciplinares nem as sociedades de soberania, mas as que lhes deram suporte: as sociedades arcaicas. Os estratos históricos são outros: Socrático-Platônico (séc. IV a.C.); Helenístico-Romano (séc. I-II d.C.); Ascético-Monástico (séc. III-IV d.C.). Trata-se das “Técnicas de Si”. A finalidade destas técnicas num primeiro momento se refere ao “cuidar de si” e de “conhecer a si mesmo” com o objetivo de governar a cidade: cuidar de si para cuidar dos outros; a “Governamentalidade” como meta de Alcibíades nos diálogos com Sócrates; estas são práticas destinadas à aristocracia. Num segundo momento percebe-se que a meta do “cuidado de si” deslocou-se para “o eu”, tornando-se uma prática destinada e aplicável a todos; trata-se, sobretudo, de um modo de vida ou de uma “lei universal”; através da disseminação dos filósofos, reconhece-se uma “cultura de si”. O questionamento que povoa esta obra se refere ao modo pelo qual se constitui o sujeito da verdade nestes três estratos.

No período Socrático-Platônico (séc. IV a.C.) é através da Pedagogia – a transmissão de uma verdade que dota um sujeito de aptidões, capacidades e saberes que ele não possuía. É do lado do Mestre que tudo se incide, é a ele que se colocam as obrigações com a verdade: formulando a verdade como convém e de acordo com determinadas regras intrínsecas ao discurso que ele transmite. Trata-se do “franco-falar” (parrhesía). Questionam-se dois aspectos pedagógicos em Atenas: o déficit pedagógico (em relação à Esparta e a Pérsia) e a erótica (aproximação do mestre aos adolescentes que depois os abandona). Assegurar boas maneiras, grandeza da alma, coragem e resistência através de exercícios (Esparta); sabedoria, justiça, temperança e coragem (Pérsia). Destaca-se então a necessidade de uma pedagogia voltada, neste contexto, ao “governo de si e dos outros”, pois ressalta-se a rivalidade e a “idade crítica”.

No período Helenístico-Romano (séc. I-II d.C.) é por meio de uma Psicagogia – transmissão de verdades que visa modificar o modo de ser do sujeito a quem se endereça, ao contrário de dotá-lo de qualquer aptidão. Ainda assim é do lado do mestre que pesa a necessidade do “dizer-verdadeiro” (parrhesía), bem como as regras necessárias para que a verdade produza o seu efeito – a mutação do modo de ser do sujeito. Portanto, é preciso que o mestre (diretor de consciência) diga o que pensa e pense o que diz, deste modo, a linguagem tende a estar de acordo com a sua conduta. Trata-se de um pacto ou compromisso entre a fala e o pensamento, onde o sujeito da enunciação esteja adequado, seja idêntico ao sujeito da conduta: o exemplo é condição para a transmissão da verdade, assim a sua transmissão torna-se propriedade de quem a manifesta (quem experimenta o pensamento como verdadeiro).

No período Ascético-Monástico (séc. III-IV d.C.) a questão se põe em termos da Confissão – a verdade não está ao lado do guia espiritual, ela está na exegese, sob uma tripla condição: Revelação, Palavra, Texto etc. O guia da consciência está submetido a regras, encargos e obrigações, entretanto o custo essencial da verdade (parrhesía) pesará sobre o dirigido. Observa-se a “arte de falar” sob dois registros: do lado do mestre (fundada na Palavra fundamental da Revelação e na escrita do Texto) e do lado do dirigido que tem que dizer a verdade, mesmo na ordem da perdição e da ignorância. Portanto, no discurso do guiado, o sujeito da enunciação deve ser o referente do enunciado: “a verdade de si mesmo”, como condição da salvação e elemento de pertencimento a uma comunidade, pois recusar a confissão pode causar a excomunhão.

A Áskesis (ascese) é uma maneira de ligar o sujeito à verdade e não de submetê-lo a lei. Trata-se de práticas e exercícios da verdade, mas entre os gregos e os romanos as relações entre sujeito e verdade resultam não só na ação, mas no modo de ser do sujeito. São práticas de subjetivação do discurso verdadeiro que se desencadeiam pelo ouvir, leitura e escrita, pela palavra. Trata-se de uma maneira através da qual, pela escuta, transpassa-se do lógos (do discurso) ao êthos (condutas). Assim, o “sujeito da enunciação” torna-se idêntico ao “sujeito das condutas”. Este é um esforço para arquitetar o fóssil, nessa arqueologia, do Self-europeu.

Nenhum comentário: