quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Lógica do Sentido (Gilles Deleuze)


Primeiro, Alice, depois, os estóicos. A obra de Lewis Carroll é um jogo do sentido, do não senso (um caos-cosmos). O sentido é uma entidade não existente, ele com o não-senso têm relações particulares. Lewis Carrol promoveu encenações do paradoxo, o que se aproxima dos estóicos na constituição paradoxal com o sentido. Alice e do outro lado do espelho tratam dos acontecimentos, dos acontecimentos puros. Simultaneidade do devir – maiores do que éramos e menores do que nos tornamos, na medida em que se furta o presente: o devir não suporta a cisão nem a diferença do antes e do depois (passado e futuro). A essência do devir é puxar nos dois sentidos ao mesmo tempo. O bom senso é uma afirmação de um sentido determinável em todas as coisas – o paradoxo, que afirma os dois sentidos ao mesmo tempo. O puro devir é o ilimitado, matéria do simulacro, quando se furta a ação da idéia, quando contesta ao mesmo tempo o modelo e a cópia: as coisas medidas se acham nas idéias. O paradoxo desse puro devir (quando é capaz de furtar-se ao presente) é a identidade do infinito, dos dois sentidos ao mesmo tempo: a) Alice - contestação da identidade de pessoal, na aventura da perda do nome próprio, pois o nome é garantido por um saber; b) o eu pessoal tem necessidade de Deus e do mundo, os substantivos e os adjetivos estão fundidos, paradas e repousos arrastados pelos verbos de puro devir, que desliza na linguagem dos acontecimentos, em que toda identidade se perde para o eu, o mundo e Deus; c) o paradoxo destrói o bom senso como único sentido, mas destrói em seguida o senso comum como designação das identidades fixas.

Para os Estóicos há uma distinção entre duas espécies de coisas: a) Os corpos com suas qualidades e suas relações (ações e paixões) e os estados de coisas (relações determinadas pelas misturas entre as coisas). Há, então, uma unidade destes corpos em relação a um Fogo Primordial. O único tempo dos corpos é o presente: o único tempo dos estados de coisas. Só os corpos existem no espaço e só presente no tempo. Todos os corpos são causas e a unidade das causas se chama destino. b) Os corpos são causas de efeitos incorporais, isto é, atributos lógicos ou dialéticos. Causas que não são coisas nem estados de coisas, mas são acontecimentos, verbos resultados de ações e paixões. Os verbos são presentes infinitivos, o Aion ilimitado – devir que divide o infinito (passado e futuro) se esquivando do presente. Podemos distinguir agora duas leituras simultâneas do tempo e no tempo: 1º) O presente só existe no tempo e reúne, absorve o passado e o futuro. 2º) Só o passado e o futuro insistem no tempo e dividem ao infinito cada presente. O paradoxo é uma série de questionamentos, isto é, de proposições interrogativas que procede segundo o devir por adições e subtrações sucessivas. Tudo passa na fronteira entre as coisas e as proposições. O paradoxo exibe os acontecimentos na superfície e no desdobramento da linguagem neste limite. Acontecimentos-devir e devir-linguagem são coextensivos. O atributo não é um ser, expresso por um verbo, porque ele é uma maneira de ser. É uma maneira de ser encontrada no limite, na superfície de ser e não pode mudar de natureza. Esta maneira é um resultado, logo, um efeito. Há duas maneiras de ser: 1) a força (o ser profundo e real); 2) os fatos (produzidos na superfície do ser e instituem uma multiplicidade de seres incorporais). O que há na superfície dos corpos são as misturas, que determinam estados qualitativos das coisas (um corpo penetra e se retira do outro). O que vai resultar destas misturas são os acontecimentos incorporais encontrados na superfície: crescer, diminuir, verdejar... O que se quer dizer com, por exemplo, “crescer”, “diminuir”, “ser cortado”, “verdejar”. Aparentemente são verbos no infinitivo, no entanto, agora o que se trata é de outra natureza. Não mais estados de coisas ou misturas no fundo dos corpos, mas acontecimentos incorporais na superfície, que resultam dessas misturas. Ex.: A árvore verdeja; o punhal corta a carne.

Toda a empresa de a Lógica do Sentido tende diretamente a deslocar e fazer emergir a “divisão” como um ponto notável na série platônica. Converter o platonismo é fazê-lo inclinar-se com mais piedade para o real, para o mundo e para o tempo. Platão quer investigar quem é o verdadeiro. Buscar o autêntico e saber Quem é, e não O que é. Distinguir entre os falsos, o verdadeiro: a oposição entre o mundo de cima das essências e o mundo de baixo das aparências. Se o sentido é uma fronteira e um espelho, reflexos através dos quais as proposições se compõem por efeitos incorporais causados pela relação dos corpos, a subversão platônica é, sem dúvida, tornar a superfície dos acontecimentos o reverso paradoxal da profundidade mais sulcada pelos corpos.

Nenhum comentário: